segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Um livro sobre todos nós



Por Júlia Martins
 
Li recentemente o livro As coisas, de Georges Perec. O autor, integrante do grupo literário surgido na França OuLiPo, é um escritor muito inventivo (e maluco): entre suas obras, há um livro utilizando apenas uma vogal e um livro descrevendo todo um fluxograma de possibilidades sobre como pedir um aumento ao seu chefe (esse último é hilário). 

Bem, apresentados a esse grande autor francês, vamos ao livro. As coisas narra a história de um jovem casal em Paris, no início da década de 1960 e sua relação com os bens materiais, seus desejos, suas frustações, o status relacionado às coisas e a felicidade aparente relacionada a esses itens. 

Não é um livro com grandes acontecimentos, já que grande parte do texto trata sobre as sensações, aspirações e ímpetos da dupla. Mas há um aprofundamento também na incoerência deles ao querer sempre os melhores mobiliários, roupas, comidas e bebidas, ao mesmo tempo em que não querem ter que ceder a uma vida um tanto quanto maçante, com um vínculo empregatício, o qual lhes dá o dinheiro, mas lhes toma o frescor, a flexibilidade e o ar “cool” de um casal que vive livre das amarras capitalistas. 

Se até esse ponto você ainda não achou nenhuma semelhança com alguém que você conheça, ou até você mesmo, já que é um livro basicamente sobre o consumismo, ainda tem mais: Perec descreve um fenômeno de supervalorização de vários itens, mas em particular o da gastronomia, apontando como com a inserção de ingredientes refinados e a ideia de que se está tendo uma experiência autêntica, um restaurante ou mercearia começam a vender pratos absurdamente caros. O resultado é que as pessoas pagam com gosto por acreditar que isso os defina como especiais ou superiores aos demais. Não seria isso a gourmetização? Há cinquenta anos?

Sinceramente, acho que todos que lerem esse livro vão pensar em alguém que conheçam, mas no final das contas terão que olhar para si mesmo e aceitar que se identificam também em vários pontos da narrativa. Lembrando que esse livro foi escrito na década de 1960, me veio à memória uma frase da música do Belchior que resume para mim essa experiência literária: “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.

Apenas para reforçar esse livro é excepcional, uma das melhores leituras que fiz no ano e recomendo muito, juntamente com todos os demais livros do autor.

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