Por Júlia Martins
Mais
uma vez me encanto com um escritor africano. Eu, que já sou fã de carteirinha
de Mia Couto, Ondjaki, Coetzee, entre outros, li a obra mais recente do
ex-menino soldado de Serra Leoa, Ishmael Beah, intitulada O brilho do amanhã (que nome lindo, não é?).
Este
livro, uma ficção, ao contrário do primeiro do autor, uma autobiografia, conta
como é a vida após a guerra em um país que foi completamente devastado. Desde o
desafio de retornar à terra natal, enterrar os restos mortais de seus
familiares, amigos e vizinhos sem nem saber qual corpo pertence a quem, até restabelecer
uma comunidade, aprender a confiar nos outros, retomar tradições e, enfim,
tentar viver sem as sombras do passado.
Esse
parece um caminho acolhedor, tranquilizador e, até dado momento da história, é
realmente possível acreditar que o povo é capaz de se reerguer. Contudo, outras
autoridades e disputas de poder logo aparecem para desestabilizar esse sistema
tão fragilmente construído. Governantes e outras autoridades corruptas, grandes
empresas de exploração mineral sem escrúpulos ou respeito pelo povo local são
responsáveis pelo reaparecimento da violência, jogando abaixo os sonhos e a
esperança desse povo tão sofrido.
Ishmael Beah (Foto: stone-thrower.com) |
Permeando
a história, está a presença dos anciãos da comunidade com sua tradição de
contação de histórias e lendas passadas, principalmente, de mãe para filha, trazendo
um tom delicado e esperançoso para o enredo e para nós leitores. Aí está o
brilho do amanhã que devemos acreditar.
Beah
consegue construir personagens diversos que representam boa parte das pessoas
atingidas pela guerra, desde mutilados, pessoas que perderam toda a família,
pessoas que se esconderam e viveram longe da sociedade por anos e, enfim,
meninos e jovens soldados que tem que lidar com o remorso e a dor de seus
próprios atos durante a guerra.
Sabendo
do passado do escritor, é possível imaginar que ele coloque no papel um pouco
desses sentimentos que teve que aprender a lidar para poder viver consigo
mesmo, o que torna o relato sincero, cru e pulsante. Não
há nenhum momento onde ele tente justificar ou suavizar a vida dessas pessoas,
não há perdão, apenas se aprende a viver novamente.
Um
livro excelente para quem ainda não conhece a literatura africana
contemporânea, pois apresenta a crueldade da realidade da guerra civil, ao
mesmo tempo em que nos introduz ao mundo das tradições locais, das fábulas e
lendas do povo e do tom poético com que a própria língua local pincela a
escrita.
Vou correndo buscar meu exemplar. Dizem que afilhado puxa padrinho, mas você me saiu muito melhor que a encomenda. Leitora, mediadora de leitura e autora de textos certeiros sobre (ótima) literatura. Também por isso te amo.
ResponderExcluirEu li o primeiro livro dele e fiquei maravilhada, com certeza um dos livros que vou levar para a vida, e já coloquei o segundo na minha lista de futuras aquisições.
ResponderExcluirOi Lari. Ficamos felizes que a resenha te despertou o desejo da leitura desse livro. Abraço!
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