terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O brilho da literatura africana



Por Júlia Martins
Mais uma vez me encanto com um escritor africano. Eu, que já sou fã de carteirinha de Mia Couto, Ondjaki, Coetzee, entre outros, li a obra mais recente do ex-menino soldado de Serra Leoa, Ishmael Beah, intitulada O brilho do amanhã (que nome lindo, não é?).

Este livro, uma ficção, ao contrário do primeiro do autor, uma autobiografia, conta como é a vida após a guerra em um país que foi completamente devastado. Desde o desafio de retornar à terra natal, enterrar os restos mortais de seus familiares, amigos e vizinhos sem nem saber qual corpo pertence a quem, até restabelecer uma comunidade, aprender a confiar nos outros, retomar tradições e, enfim, tentar viver sem as sombras do passado.

Esse parece um caminho acolhedor, tranquilizador e, até dado momento da história, é realmente possível acreditar que o povo é capaz de se reerguer. Contudo, outras autoridades e disputas de poder logo aparecem para desestabilizar esse sistema tão fragilmente construído. Governantes e outras autoridades corruptas, grandes empresas de exploração mineral sem escrúpulos ou respeito pelo povo local são responsáveis pelo reaparecimento da violência, jogando abaixo os sonhos e a esperança desse povo tão sofrido.

Ishmael Beah (Foto: stone-thrower.com)
Permeando a história, está a presença dos anciãos da comunidade com sua tradição de contação de histórias e lendas passadas, principalmente, de mãe para filha, trazendo um tom delicado e esperançoso para o enredo e para nós leitores. Aí está o brilho do amanhã que devemos acreditar.

Beah consegue construir personagens diversos que representam boa parte das pessoas atingidas pela guerra, desde mutilados, pessoas que perderam toda a família, pessoas que se esconderam e viveram longe da sociedade por anos e, enfim, meninos e jovens soldados que tem que lidar com o remorso e a dor de seus próprios atos durante a guerra.

Sabendo do passado do escritor, é possível imaginar que ele coloque no papel um pouco desses sentimentos que teve que aprender a lidar para poder viver consigo mesmo, o que torna o relato sincero, cru e pulsante. Não há nenhum momento onde ele tente justificar ou suavizar a vida dessas pessoas, não há perdão, apenas se aprende a viver novamente.


Um livro excelente para quem ainda não conhece a literatura africana contemporânea, pois apresenta a crueldade da realidade da guerra civil, ao mesmo tempo em que nos introduz ao mundo das tradições locais, das fábulas e lendas do povo e do tom poético com que a própria língua local pincela a escrita.

3 comentários:

  1. Vou correndo buscar meu exemplar. Dizem que afilhado puxa padrinho, mas você me saiu muito melhor que a encomenda. Leitora, mediadora de leitura e autora de textos certeiros sobre (ótima) literatura. Também por isso te amo.

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  2. Eu li o primeiro livro dele e fiquei maravilhada, com certeza um dos livros que vou levar para a vida, e já coloquei o segundo na minha lista de futuras aquisições.

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    1. Oi Lari. Ficamos felizes que a resenha te despertou o desejo da leitura desse livro. Abraço!

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