A seguir, replicarei o texto Reminiscência do Ziraldo,
extraído do livro "Crônicas Mineiras", Editora Ática - São Paulo,
1984, pág. 109. Uma ótima reflexão sobre a infância, a saudade e as coisas
simples da vida, tendo Minas como pano de fundo.
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Nasci numa pequena cidade de
Minas. Até aí nada demais. Muita gente nasce em cidades pequenas, distantes e
quietas. Seria feliz, de qualquer maneira, se quem lê neste instante pudesse
saber a alegria que existe em se nascer num lugar assim, em que as ruas pequenas
e estreitas, as altas palmeiras, a água macia da chuva que cai sempre, as
muitas estrelas e a lua, as pedrinhas das calçadas, a meninada, a carteira da
sala de aula, a mestra e mais uma quantidade destas lembranças simples sejam,
mais tarde, influências reais na vida da gente. Na vida de quem, afinal,
preferiu enfrentar a cidade grande: as águas desse mar, a luz dessas lâmpadas
frias, a sala fechada, triste e sem perspectivas em que se ganha a vida, a
cadeira quente e insegura das tardes de ir e vir — pura fadiga — das empresas,
a luta, a dura luta de ser alguém, um peixe grande em mar estranhamente grande.
A verdade é que, um dia, a pensar e refletir na grama macia da pracinha da
matriz, a criança decidiu sair.
E a estrada se abriu a sua
frente. Vir era uma idéia. Fixa. Caminhar era fácil.
A chegada: a rua imensa, as
buzinas, as luzes, sinal verde, aquela cidade grande, grande ali, na sua
frente. Cada face, cada ser que passava — pra lá e pra cá — inquietamente,
tanta gente, suada, apressada, sem alegria, sem alma, a alma cerrada,
enrustida, cada triste surpresa era a chegada.
Cheguei. Um táxi. A mala. As
esquinas. Está bem, mas, que fazer? Sentei e pensei. Pela janela da casa alta
vai a vida. Seria a vida? E disse a primeira frase na cidade grande, as
primeiras palavras diante da grande luta e as palavras eram: Meu Deus, que
saudade! E nem um dia me separava da pracinha da matriz. Cada dia que, a
seguir, vi passar, esqueci.
Diante da máquina, neste
instante, há uma distância imensa entre aquele dia na missa cantada na minha
igrejinha e este dia em que, diante de mim, diante de minha mulher e da minha
casa feita de cidade grande, minhas filhas brincam de ser gente grande.
E elas. Que vai ser delas? Sem
palmeiras, sem um pai de ar grave; sem entender a chuva a cair em jardins
humildes, nas margaridas branquinhas; sem entender de lua e de estrelas — que
céu aqui, pra se ver nem se vê —, sem brincar na lama das ruas, a lama das
chuvas, casca de palmeira, descer as barracas, nadar sem mamãe saber, nas águas
escuras, fim de quintal, quintal, quintal? sem quintal? pedrinha de calçada,
marcar a canivete sua inicial na carteira da sala. Ainda bem que nasceram
meninas.
Já é diferente. Será que é?
Sei lá. Entre a chegada e este instante, lembrança nenhuma. Sei que cheguei.
E sei mais: que esta página
está é uma grande besteira, dura de cintura, sem graça, uma m... Já se vê que
quem nasceu para caratinguense nunca chega a Rubem Braga. E também tem mais:
Quem é capaz de escrever uma página literária decente — igual a essa (?) — sem
usar uma vez sequer a letra O? Leiam mais uma vez. Atentamente. Se tiver um —
além deste aí em cima — eu como!
Sobre
Ziraldo Alves Pinto
Ziraldo (Foto: Blog historiando) |
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