sexta-feira, 27 de março de 2015

Oblomov: um convite à literatura russa

Por Júlia Martins

 
Esta história de que literatura russa é difícil é balela, conversa de quem nunca leu. Nomes como Dostoiévski, Turguêniev, Leskov, Tolstói, Tchecov, entre outros, parecem muito intimidadores a princípio, mas são leituras prazerosas. Uma escrita direta, sem muitos floreios, mas que tratam a fundo a natureza humana, seus tormentos e sonhos.

Neste mês, li um livro de um autor russo que ainda não conhecia, Gontcharov – mais uma grata surpresa dessa turma de grandes escritores russos. Oblomov, calhamaço de 700 páginas, narra a história do personagem homônimo, um aristocrata que vive da renda de suas terras. O livro é uma sátira do estilo de vida desses ricos senhores, os quais viviam à custa dos famosos mujiques, um sistema onde quem tinha terras podia também ter direito a “almas”, um sistema de servidão.

Oblomov é um personagem perturbante para aqueles que correm atrás de seus sonhos, pessoas de garra e força de vontade. Afinal, isso é tudo que Oblomov não é. Vive praticamente deitado na cama e no sofá, não é capaz de resolver até os problemas mais essenciais, como decidir onde viver ou como escrever uma carta para o administrador de seus negócios, e por isso acaba se vendo nas garras de grandes vigaristas.

Oblomov antigo e atual (Ilustração: The New York Times)
Nosso herói, um homem de bom coração, apaixona-se então por uma moça apresentada por seu melhor amigo, e tudo começa a mudar. O mestre da inação passa a ter mais energia para as atividades sociais e até mesmo com seus cuidados pessoais, mas até que ponto o amor é capaz de mudar uma pessoa?

Um grande livro, considerado um clássico da literatura mundial, mas ainda pouco conhecido, em outro projeto primoroso da Cosac (pessoas que leem esse blog devem achar que ganho alguma coisa da editora, mas é só admiração pelo grande trabalho executado por eles mesmo) que vale fazer parte da biblioteca pessoal de todos.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Amigos bêbados contam histórias



Noite na taverna, escrita pelo grande Álvares de Azevedo, é uma coletânea com sete narrativas contínuas, que se completam. Em uma noite, alguns homens estão numa taverna, já embriagados pelo vinho e pelo fumo. Após uma introdução com a apresentação da cena, somos convidados a acompanhar cinco desses homens a contar suas histórias macabras. A morte é o fator predominante. Encontramos elementos da segunda fase romântica, aquela do mal do século, em vários trechos.

Capítulos e temática
Quadro remetendo a noite do livro (Foto: Uarévaa)
- Uma noite do século: apresentação, discussão filosófica acerca de fé e crenças, bebedeira.

- Solfieri: necrofilia.

- Bertram: loucura, canibalismo, assassinato, abandono.

- Gennaro: amor proibido, trapaça enganação, frustração, assassinato.

- Claudius Hermann: sequestro, relações sexuais com a mulher entorpecidas.

- Johann: incesto, destruição familiar.

- Último beijo de amor: desfecho, reviravolta, suicídio. 

Um ótimo livro, leitura indicada principalmente para noites sem sono. A escrita é fluida e curta. Foi necessário, para mim, incluir uma leitura desta época e deste estilo em minhas escolhas literárias. Por enquanto é a melhor leitura do ano. Nota 9.

Sobre o autor
Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 12 de setembro 1831, em São Paulo e faleceu em 25 de abril de 1852, no Rio de Janeiro. Ao passear a cavalo sofreu uma queda. Como já sofria de tuberculose, o acidente agravou ainda mais a situação e esse fato impediu que concluísse a faculdade de Direito. 

Sempre se soube que ele levou uma vida boêmia e libertina; porém, seus biógrafos mais respeitáveis afirmam que isso não é verdade, pelo contrário, dizem que sua vida era muito calma e serena.

Azevedo escreveu poesia, prosa e teatro. Toda sua obra foi escrita em um período de 4 anos (período em que era estudante universitário) e publicada depois da sua morte. Informações InfoEscola.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Começando com o pé direito



Por Júlia Martins
 
Iniciei minha incursão ao mundo da literatura de ficção científica com Andróides sonham com ovelhas elétricas? e foi um caminho sem volta. O livro de Phillip K. Dick é simplesmente sensacional.

A história gira em torno de um caçador de andróides que deve encontrá-los e desativá-los em troca de prêmios, já que seus alvos são proibidos na Terra. Grande parte da população e seus andróides saíram do planeta para colônias interplanetárias em busca de uma vida melhor, já que uma poeira radioativa causa infertilidade naqueles que ainda vivem na Terra. Alguns andróides, porém, acabam escapando de volta para o planeta e aí entra o papel de nosso protagonista, Rick Deckard.

Tudo começa a se complicar quando seis andróides surgem e Rick precisa encontrá-los. Além das novas tecnologias de inteligência artificial serem cada vez mais difíceis de reconhecer, os novos andróides ficam cada vez mais parecidos com os humanos, são inteligentes e sensíveis. Então por que não haver algum tipo de relacionamento entre eles? Os andróides não seriam uma nova forma de vida?

Philip K. Dick (Foto: American Thinker)
Essas e outras perguntas atormentam o protagonista nessa história alucinante, enquanto ele luta para cumprir a sua missão. Um toque do autor que achei maravilhoso é a crítica ácida e irônica contra a destruição da natureza: num mundo onde quase todas as espécies estão extintas, o status da vida de um humano é possuir um animal de verdade. 

Para aqueles que pensam que ficção científica é literatura de baixa qualidade, pensem de novo. Além de ser uma história super envolvente, o livro trata de temas muito atuais como a interação entre homens e máquinas, poluição e extinção das espécies, além de temas atemporais como ética e o que configura a vida.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Boccaccio, o italiano nordestino



 Por Júlia Martins

Acho que muita gente pensa como eu pensava antes de ler Decameron: “Nossa, esse livro deve ser muito difícil, é só para os 'super cabeças', ou estudos de escola”. A verdade está longe dessa descrição. Esse livro do século XIV é na verdade uma grande contação de histórias simples que vêm da tradição oral, narradas por sete damas e três cavalheiros durante um período de reclusão do grupo que estava fugindo da peste. 

Ilustração Wikipédia
Na seleção que li são apenas dez histórias, enquanto o livro completo possui cem, dez de cada um dos narradores que vão se intercalando em dez jornadas. Para ser sincera, gostei dessa edição da Cosac, pois já dá um panorama interessante das narrações e não fica maçante. Quase todas as narrativas são muito engraçadas e têm forte apelo sexual, me fizeram lembrar muito a literatura de cordel e os causos que escutamos no nordeste brasileiro. Apesar de não serem em forma de verso, fiquei surpresa com a proximidade dos temas e da linguagem acessível entre culturas tão distintas e separadas por mais de seis séculos.

Decameron é um livro que intimida pelo nome, mas é fácil de ler, engraçado e faz um bom retrato das histórias típicas europeias do século XIV. Recomendo a edição da Cosac que tem ilustrações lindísimas, traz uma seleção com alguns dos contos mais conhecidos e um pouco do panorama histórico da época em que o autor, Boccaccio, viveu e escreveu.